A fotografia e um arado
data um dos
trabalhos que me fascina na obra de Domingos Silva. Quando o vi pela primeira
vez, de súbito veio à memória um verso
de Papiniano Carlos: “O arado luminoso”. Revisito-o agora, e viajo pelo Minho
antigo, a fatal lavoura que aturdia as madrugadas de Maio . Em certos regressos
à infância, o que se encontra à chegada são aromas, alguns sons, um gesto de
luz, um afago maternal. Reminiscência da alegria. A obra que me devolve um
tempo perdido chama-se Lavrador II. E, aparentemente, nenhuma réstia
de felicidade antiga encerra. Há
incursões no passado que começam assim: a dor antiga desagua num suave traço de
luz.
Vejo, só agora
vejo, a cor da canga: vermelha como o colete do lavrador. A mesma cor jugula o
homem e o humilde gado. Subtil metáfora de servidão cruel: o homem e os
animais, que domesticou , no mesmo
limiar. Uma homem só, uma junta de bois, um arado luminoso a rasgar a dureza da
terra. Trabalho árduo - “charrua em campo de pedra”, diria José Manuel Mendes -
, tanto que o camponês, mãos cativas às rabiças, parece multiplicar-se; a mesma
alquimia desdobra os animais, abrem a boca num frémito de sofrimento. Domingos
Silva, com engenho e arte, do compesino solitário faz a alegoria de gerações
emaranhadas numa gleba amarga.
…O Domingos Silva é
um pintor do Minho, ou da Póvoa de Lanhoso se apertarmos a malha, ou de
Travassos, se se optar pela minúcia de ourives. Dito isso, assim, com esta
crueza será, de novo, seguir por carreiro ínvio. Pelo lado errado das coisas. A
arte, mesmo que o silêncio oficial queira amortalhar o criador, a arte é e
sempre será apátrida – porque o arado criativo sulca a terra em qualquer
geografia.
Francisco Duarte Mangas
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